Fotografias, no Diário Popular, de José Saramago, (escritor), Baptista Bastos (escritor), Mário de Carvalho (escritor), António Borges Coelho (historiador), Urbano Tavares Rodrigues (escritor), Joaquim Gomes Canotilho (jurista/constitucionalista), António Hespanha (historiador), António Teodoro (Presid da Federação Nacional dos Professores-FENPROF) e Mário Vieira de Carvalho (musicólogo)
2007-05-31
Um futuro Nobel no INES
Reunião no Fórum Picoas, em Lisboa, em 13 de Janeiro de 1990, para apresentação do Instituto de Estudos Sociais, INES. Presentes cerca de mil pessoas, segundo O Jornal. Na mesa vêem-se, José Luís Judas (em pé), Álvaro Veiga de Oliveira, Raimundo Narciso, Orlando de Carvalho, José Saramago, Manuel Lopes, António Teodoro, António Hespanha, Vital Moreira, Joaquim Gomes Canotilho, José Magalhães. Na mesa, não abrangidos pela fotografia, encontravam-se, também, Barros Moura, Fernando Castro, Piteira Santos, Correia Pinto, Zita Seabra, Horácio Guimarães, Fernando Loureiro, Rui Mário Gonçalves, António Osório. (Fotografia de Fernando Peres Rodrigues, na página 175 do livro AC e a dissi...)
2007-05-28
RN na Antena 1 com Maria Flor Pedroso
- Então??
- Bom... é que pensei que me vinha convidar para substituir o professor Marcelo.
2007-05-27
NA FEIRA DO LIVRO DE LISBOA
Os visitantes desta posta estão desde já convidados, se forem a passar por ali, para se apresentarem e eu lhes agradecer a sua visita aqui à DISSIDÊNCIA.
Mário Lino apresenta o livro "AC e a diss..."
Aquando da sessão de lançamento do seu primeiro livro – ARA: Acção Revolucionária Armada. A História Secreta do Braço Armado do PCP, realizada em Dezembro de 2000, o nosso saudoso camarada e amigo José Barros Moura, que fez a respectiva apresentação, referiu: «este livro não é um livro de teoria política, nem um ensaio histórico, nem um romance, nem um livro de memórias. É um pouco de tudo isto ao mesmo tempo e nessa característica reside muito do seu valor». Penso que a mesma apreciação se aplica perfeitamente a este segundo livro do Raimundo Narciso.
Mas sendo o Raimundo um protagonista importante, ou mesmo um dos protagonistas centrais deste livro, considero apropriado que tanto o livro como o seu autor/protagonista sejam objecto desta minha contribuição para a apresentação do livro.
Comecemos, pois, pelo autor.
2007-05-26
JN de 2007-05-26
!º encontro da PE com o PS (1992)
2º encontro PE-PS
Primeira reunião de trabalho entre a PE e o PS
Fotografia de Clara Azevedo, Expresso 1993-05-08.
NA ANTENA 1
POR ESTE RIO ACIMA
O barco vai de saída
Adeus ó cais de Alfama
Se agora vou de partida
Levo-te comigo ó cana verde
Lembra-te de mim ó meu amor
Lembra-te de mim nesta aventura
P'ra lá da loucura
P'ra lá do Equador
Delegado
2007-05-23
O 7º mais vendido na FNAC
No top Fnac "Álvaro Cunhal e a dissid..." está em 7º lugar entre os livros mais vendidos. Ver aqui
2007-05-22
Fotografia da página 131 do Livro "AC..."
2007-05-21
No Diário de Notícias de 2007-05-19
AS PESSOAS mais ou menos atentas à vida política já adivinhavam que o Partido Comunista Português era assim. A monumental biografia de Álvaro Cunhal que José Pacheco Pereira vai publicando ainda não deixa margens para grandes dúvidas. Livros estrangeiros sobre a URSS, como ‘No País da Mentira Desconcertante’, do croata Ante Ciliga, também não. Agora, com este ‘Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via’, de Raimundo Narciso, o leitor dispõe de uma perspectiva privilegiada para ver em acção o falecido secretário-geral do PCP controlando consciências e delineando a táctica e a estratégia do movimento comunista em Portugal. Raimundo Narciso não era um comunista qualquer. Passado à clandestinidade em Agosto de 1964, quando era estudante do Instituto Superior Técnico, tornou-se funcionário do PCP. Integrou o comité central, de 1972 a 1988. Foi um dos criadores da ARA, Acção Revolucionária Armada (sobre este tema escreveu um excelente livro, ‘ARA— A História Secreta do Braço Armado do PCP’,, ed. Dom Quixote). Foi expulso do Partido Comunista em 1991 e eleito deputado à Assembleia da República em 1995, como membro da Plataforma de Esquerda, mas integrando as listas do PS, partido no qual ingressou em 1999. A cisão de Raimundo Narciso com o seu, até então, partido de sempre não foi abrupta, mas lenta e evolutiva. A irrupção da perestroika na URSS de Gorbachov marcou a viragem na consciência política de Narciso e outros camaradas seus — sempre minoritários na organização— que quiseram refundar o PCP. O que provocou angústia na direcção partidária. Cunhal tentou, sempre charmoso, trazer pacificamente as ovelhas negras para o redil da ortodoxia. Mas outros dirigentes não tiveram tanta elegância. Octávio Pato, com a sua proverbial brutalidade, mandou seguir Narciso pelos serviços de segurança do partido. Estes retratos da nomenclatura partidária são um dos interesses da obra. È pena, porém, que nem todos os intervenientes na polémica sejam identificados, permanecendo anónimas muitas citações entre aspas. Uma informação inédita e saborosa — e exemplar do maquiavelismo de Cunhal — é a do papel desempenhado pelo PCP na formação do Partido Renovador Democrático, do general Ramalho Eanes. Tudo para destruir o PS. Livro utilíssimo.
Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via
Raimundo Narciso
>género : Memórias
>Editora Âmbar
> *****
2007-05-19
MÁRIO DE CARVALHO (2)
[Por Mário de Carvalho]
"Como é que gente bem formada, culta, às vezes brilhante, opta (estamos a falar de opções – ninguém aqui foi obrigado) pela renúncia à crítica e pela adopção de fórmulas que nem por serem tranquilizadoras e identitárias deixam de transportar consigo a mentira e os germes da iniquidade." Esta foi a questão com que Mário de Carvalho interpelou a numerosa plateia que assistiu ao lançamento do livro de Raimundo Narciso.
1 - Eu vou ser muito breve porque alguma experiência destes eventos me diz que as pessoas não têm grande vontade de ser trabalhadas com grandes discursos pelas sete da tarde, e reservam a sua disponibilidade, e bem, para ouvir o autor do livro que é lançado. Anuncio já que tenho pouco mais de 7 500 caracteres, o que, espero esteja dentro da medida da vossa paciência. São apenas algumas palavras para lembrar o percurso do autor, até à expulsão do PCP; para realçar aspectos que me pareceram mais marcantes no livro, e para deixar uma ou outra nota à margem:
2 - Raimundo Narciso abandonou o curso de Engenharia, no Técnico, em 1964, para entrar na vida de resistência clandestina, nos quadros do PCP. Viveu dez anos na clandestinidade em condições de grande risco e dureza, e integrou o comando da ARA, uma organização de acção armada do Partido Comunista, que exigia uma especial valentia, sangue frio e abnegação. Dessa actividade deu conta numa narrativa empolgante: “ARA – Acção Revolucionária Armada: A História Secreta do Braço Armado do PCP”, editado em 2000. Em 1972 ascendeu ao comité Central do Partido. Depois da Revolução do 25 de Abril foi encarregado de tarefas de especial melindre, designadamente dos contactos com áreas sensíveis da sociedade portuguesa, como são as Forças armadas, as policias e o aparelho judicial. Foi membro do comité central até 1988, e em Novembro de 1991, foi expulso do Partido, com Mário Lino e José Barros Moura, na sequência duma célebre reunião no Hotel Roma em Agosto de 1991.
3 – Recordada, em termos gerais, a biografia de Raimundo Narciso como é pública e conhecida, quero acrescentar uma nota pessoal para assinalar a extrema simpatia do Raimundo, a facilidade de contacto e de criar amigos, a sensatez e lucidez das apreciações, a capacidade de iniciativa, o sentido de justiça e também a firmeza e a coragem em situações difíceis, como muitos tiveram ocasião de comprovar.
4 - Os eventos que se relatam e documentam neste livro, ocorridos há vinte anos, ou perto, têm que ver com o inconformismo do autor em relação à análise política da direcção do PCP, ao centralismo democrático de natureza estalinista e às maneiras de pensar e processos de actuação do aparelho do Partido que a sua consciência e o seu sentido de dignidade não aceitaram. Raimundo Narciso descreve-nos quase sempre com bonomia e também sentido de humor, às vezes um tudo-nada amargo, o funcionamento, o debate e o estilo do Comité Central, no rescaldo da subida ao poder de Mikhail Gorbachev, com as convulsões e revelações que se seguiram, e as consequências últimas que de todos são conhecidas. Ficamos a par de alguns pormenores que habitualmente não são divulgados, desde a austeridade do gabinete de Álvaro Cunhal, à reserva do sexto andar das grandes deliberações. É nos contado o ambiente da Soeiro Pereira Gomes, como se adensava o quotidiano dos jovens quadros que eram então o principal apoio e suporte da direcção e que observavam, com estupefacção, dia após dia, a inalterabilidade do Partido face aos irrefutáveis acontecimentos que estavam a mudar o mundo. São abordados alguns casos que na altura tiveram grande repercussão mediática, como o grupo dos seis, o caso Zita Seabra, e seu tratamento no Comité central e o aparecimento, de início cauteloso, quase críptico, depois declarado, das primeiras dissidências internas que vieram a resultar no movimento a que os jornalistas chamaram “terceira via”. A quem não esteja familiarizado com os hábitos, praxes e linguagens do Partido, certas passagens remetem para um clima estranho, mesmo exótico que, no entanto, diga-se de passagem, era aceite, vivido e praticado por cidadãos perfeitamente normais e conviventes, como o Raimundo, outros que estão aqui e eu próprio. E continua a ser, é preciso dizê-lo por pessoas que, enquanto pessoas, e o Raimundo não discordará disto, são merecedoras de consideração e estima. Nos escalões mais altos, o jogo de linguagem chegava a ser rebuscado e repassado de subtilezas que só estavam ao alcance dos mais experimentados. Há no livro saborosas descrições da cautelosa utilização do procedimento a que, em dramaturgia se chama de “subtexto”: o que se diz é diferente daquilo que se significa. Discorre-se sobre uma coisa, quando se quer dizer outra: o que parecia ser uma questão de oportunidade sobre o adiamento de um congresso, por exemplo, recobria o primeiro questionamento subliminar do partido, do seu funcionamento e das suas políticas. Talvez nos sectores por onde eu andei, numa altura em que o Partido estava repleto de intelectuais, os limites não fossem tão perceptíveis nem as sensibilidades tão subtis. Que eu me lembre, as afirmações cismáticas eram tão vulgares como o exercício irónico, ou mesmo paródico, do senso de humor. Mas estou a falar de sectores de inimputáveis, encarados com a bonevolência paciente com que os adultos escutam as divagações infantis. Mas a nível do Comité Central imperava tacitamente uma estranha e generalizada demarcação dos limites da discussão. Podia-se discutir veementemente e, até extremadamente, tudo quanto fosse secundário e nada do que fosse essencial. Podia-se criticar os tons da tapeçaria, desde que não se tocasse nem no desenho, nem nas cores nem sequer na qualidade do tecido.
5 - Os eventos, as peripécias (e as partes gagas) que vêm relatados tiveram as suas personagens e as suas autorias. O livro – a que, pelo menos uma vez, o autor chama modestamente “esta memória” - dá conta de intervenções de Álvaro Cunhal e doutros elementos da direcção do partido, uns mais conhecidos, outros menos, numa aproximação de pormenor. Às vezes as palavras do Raimundo são quase de ternura, como quando se refere, por exemplo, a Blanqui Teixeira, do lado da ortodoxia, ou a António Graça, do lado da Crítica. Outras vezes, como nas referências a Jaime Serra, sobreleva a admiração pela coragem e pela frontalidade. Num ou noutro caso o juízo é mais severo (e posso acrescentar que nem sempre coincide com o meu) mas sem passar nunca pela agressividade ou pelo desrespeito pessoal.
6– A razão porque eu estou aqui, hoje, nesta mesa, a comentar este livro não é seguramente a minha grande avidez de falar em público, e não será apenas a admiração e a simpatia que tenho e já manifestei por Raimundo Narciso. É também porque, tratando-se de uma abordagem em que o autor relata factos que foram seguramente marcantes na vida dele, alguns dolorosos e mesmo confrangedores, até com lamentáveis recortes policiescos, Raimundo Narciso não se deixou levar pela raiva e pelo ressentimento. E ainda porque o ponto de vista do autor é inelutavelmente de esquerda, ou seja, do ângulo dos princípios e dos valores e não dos preconceitos e dos interesses; do lado dos homens e não do lado das coisas, sendo certo que as bandeiras também são coisas. Finalmente, porque desde há muitos anos me inquieta também esta questão perturbadora. Como é que gente bem formada, culta, às vezes brilhante, opta (estamos a falar de opções – ninguém aqui foi obrigado) pela renúncia à crítica e pela adopção de fórmulas que nem por serem tranquilizadoras e identitárias deixam de transportar consigo a mentira e os germes da iniquidade. Não é que o livro pretenda resolver de vez o problema. Mas é mais um alerta, documentado e vivido, contra a auto-complacência, o raciocínio burocrático e a demissão da crítica. Como alguém lembrou um dia, no decorrer destas discussões, aludindo a uma célebre gravura de Francisco Goya “o sonho da razão engendra monstros”.
MdC
Mário de Carvalho
[Imagem roubada à Renovação Comunista]
Jorge Cordeiro no Avante
"Por vias tortas
"Há os que, para se afirmarem e parecerem ser no presente, têm como única réstia de crédito deitar mão ao que foram no passado e entretanto deixaram de ser. Ou, dizendo de outro modo, valendo pelo que foram e não pelo que são, rebuscam no passado que renegaram algo que lhes permita ser levados a sério no presente. Como que um género de ser o que se não é, porque o que se é... é como se não fosse.
...
[texto completo aqui]
João Tunes: fala quem sabe
No Água Lisa:
"Para demonstrar a indigência política, aliada à rasteirice dos argumentos, Jorge Cordeiro está bem para o actual núcleo dirigente do PCP. Leia-se a sentença sumária com que, à Vichinki, condena o livro de Raimundo Narciso “Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via”. Não desmente um único facto relatado no livro mas afirma que tudo são invenções e falsidades. Claro que o importante era o sinal do sagrado Índex, procurando inibir o eventual desavisado militante tentado a ler o “livro maldito”. "
2007-05-18
No Avante
O lançamento
Foi assim, ontem, o lançamento do livro Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via, no auditório da FNAC/Chiado.
Aqui fica o meu agradecimento à Âmbar, ao Nelson de Matos e à Marta Morais, aos apresentadores Mário Lino e Mário de Carvalho e a todos aqueles, presentes na sala, a quem não tive oportunidade de o fazer pessoalmente e aos muitos que me comunicaram a impossibilidade de estar presentes.
Estiveram no evento muitos dos "arguidos" daquele "processo" referenciados no livro e outros amigos. Como Vitor Neto e a Simoneta que vieram do Algarve, Joaquim Pina Moura e a Herculana, Fernando de Castro, João Rodrigues, João Galacho, José Ernesto e a Luísa Quitério, que vieram de Évora, Mário Vieira de
Carvalho, João Soares que teve de se dividir entre este e o lançamento do livro de Batista Bastos, o embaixador Seixas da Costa, o professor Mário Murteira, Correia Pinto, os meus colegas de blog João Abel e Manuel Correia e a Joana, Luís Barrosa, António Almeida e a Manuela, Hilário Teixeira, João de Freitas Branco, Vítor Louro que foi um dos membros do grupo [dissidente] dos seis, o João Tunes do blog Água Lisa, a Céu, a Lúcia Esaguy, Luís Santos, Rogério Moreira, Ramiro Morgado, Paulo Fidalgo, da Renovação Comunista, João Semedo deputado independente pela RC, no BE, Penin Redondo do DOTeCOMe vário smilitantes do PCP nomeadamente "Pedro Bernardes" (atenção é pseudónimo;) amigos de outras actividades, como Jorge Costa, o almirante Martins Guerreiro, Margarida Marante, Ernesto Macedo, amigos do tempo do liceu como o João Luís e o Lois, o Miguel (de vermelho no canto inferior direito da fotografia, cuja atenção é visível) e a mãe dele, Helena, minha sobrinha assim como a avó minha irmã, o Jaime, avô do Miguel e a muitos mais amigos e amigas que se vêm na fotografia e outros que não couberam na sala. Não puderam estar presentes saudosos amigos como António Graça e José Barros Moura, entretanto falecidos. Mas esteve o filho, Manuel Barros Moura. Uma saudação especial para Batista Bastos porque à mesma hora lançava o seu livro AS BICICLETAS EM SETEMBRO (esse sim é que deve ser um livro a sério) e não permitiu que eu lá estivesse presente.
Mário Lino apresenta livro sobre dissidências no PCP
Lino e Narciso foram militantes do PCP e ambos integraram, no início dos anos 90, essa dissidência comunista, com outros militantes como Joaquim Pina Moura, Barros Moura (já falecido) e José Magalhães. Mário Lino participou também, até ir para o Governo, num blogue com Raimundo Narciso (puxapalavra.blogspot.com) . O livro de Raimundo Narciso já criou controvérsia. Vítor Dias, ex-dirigente nacional do PCP (mas ainda militante), revoltou-se contra o facto de surgir na obra como tendo participado em conspirações anti-Cunhal que fervilharam no PCP por essa altura, animadas pela perestroika .
"Jamais tive quaisquer contactos ou relações de cumplicidade política ou de concertação de opiniões, acções e iniciativas com o grupo a que Raimundo Narciso se refere e que ele integrava", escreveu Vítor Dias no seu blogue pessoal (tempodascerejas.blogspot.com). Denunciou ainda o "descaramento daqueles que, tendo ido rapidamente para relevantes cargos no PS, ainda hoje nos queiram convencer que antes agiam a favor da 'renovação' do PCP".
Num blogue dedicado ao livro (agrandedissidencia.blogspot.com), Narciso respondeu dizendo que nunca foi "possível encontrar qualquer contribuição [de Vítor Dias] para a saída do pântano em que o PCP se tinha atolado". J. P. H.
2007-05-17
O livro no Jornal de Notícias
Raimundo Narciso, ex-dirigente, revela episódios da luta que a Terceira Via travou
Paulo Martins
O PCP espiou, na década de 80, dirigentes que entraram em ruptura com a direcção, assegura Raimundo Narciso, ex- membro do Comité Central, expulso em 1991, no livro “Alvaro Cunhal e a dissidência da Terceira Via”, que amanhã será apresentado em Lisboa.
O autor descreve a sua própria experiência. Em 1988, nas vésperas do XII congresso, foi seguido por um automóvel do partido, quando se dirigia a uma reunião em casa de Joaquim Pina Moura, que servia de “quartel-general” do grupo . Álvaro Cunha], confrontado directamente, não desmentiu a “vigilância”, que só ele e Octávio Pato, dirigente também já falecido, poderiam ter ordenado. A sua reacção, em tom crispado, foi, porém, muito significativa. Falou na “campanha insidiosa” e no “ataque brutal” de que o PCP estava a ser alvo, concluindo com uma pergunta: “Achas que o partido não deve fazer o que for necessário para se defender?”
A obra, editada pela Âmbar, revela episódios menos conhecidos de um dos períodos mais conturbados da história do PCP marcado pelos ecos políticos da “Perestroika”, que Mikhail Gorbachov empreendera e haverá de conduzir à dissolução da União Soviética. O grupo que ficaria conhecido como Terceira Via — Raimundo Narciso, Pina Moura, José Luís Judas, António Graça. Vítor Neto, Fernando Castro e Barros Moura — acreditava na possibilidade de mudar o partido ‘por dentro”, tanto mais que quase todos eram membros do Comité Central (CC). Narciso assume que a táctica adoptada consistia numa demarcação face a outros “críticos”, como o “Grupo dos Seis”, de Vital Moreira e Veiga de Oliveira, que privilegiava uma intervenção mais mediática, e Zita Seabra.
O papel de Álvaro Cunhal no combate à contestação interna— travado sobretudo nas reuniões do CC, no que à Terceira Via diz respeito ganha contornos mais definidos. O antigo membro da ARA, organização criada pelo PCP para cometer. Atentados contra o Estado Novo revela a forma como Cunhal, numa tentativa de estancar as movimentações, tomou a iniciativa de apresentar o documento “Democracia avançada no limiar do século XXI”, que se traduzia numa revi são do programa do partido, reclamada pelo grupo.
No processo que culminou no afastamento de Zita Seabra, actual deputada do PSD, o líder comunista assumiu posições que hoje podem causar surpresa. Numa reunião em que a então dirigente estava sob fogo, alguém a apodou de “cobarde”. Cunhal interrompeu de imediato: “Olhe que não, camarada. Ela é é corajosa”. E impediu a aplicação a Zi ta da pena de suspensão temporária, fazendo aprovar apenas a saída da Comissão Política.
Álvaro Cunhal procurou, em conversas privadas, convencer alguns membros da Terceira -Via de desistirem da estratégia de confrontação. A Raimundo Narciso, acusou-o de se “movimentar nas margens de uma nebulosa onde se infiltra o inimigo”. O destino dos “críticos”, estava, assim, traçado. Pina Moura foi o único a permanecer no Comité Central após o congresso de Dezembro de 1988, no Porto — no qual José Luís Judas, então um destacado dirigente da CGT propôs publicamente a eleição do CC por voto secreto.
O golpe conservador de Agosto de 1991 em Moscovo, apoiado pelo PC desfez todas as ilusões dos “críticos”. Dezenas de militantes participaram no final desse mês numa reunião no hotel Roma, em Lisboa, de desafio aberto à linha oficial. Em Novembro, três dos promotores do encontro — Narciso, Barros Moura e Mário Lino, hoje ministro das Obras Públicas, que apresenta a obra — foram expulsos do partido. O quarto, José Luís Judas, saiu pelo seu pé.
Revelações
PCF ”infiltrou
militantes no PRD
Com o objectivo de complicar a vida ao PS, o PCP destacou militantes, desconhecidos como comunistas, para integrarem o PRD. A estratégia ruiu em 1987 após o retumbante resultado obtido dois anos antes, o partido criado Ramalho Eanes desapareceu na voragem da primeira maioria absoluta de Cavaco.
“Desafinação” no CC
em Outubro de 1987
A primeira grande confrontação no Comité Central após o 25 de Abril ocorreu na reunião de l3 de Outubrode 1987. Pretexto: o adiamento do congresso, previsto para esse ano; de ressaca da vitória do PSD. António Graça abriu as hostilidades secundado por Vítor Neto, Pina Moura, Narciso e Judas, que reclamou a substituição do método de braço no ar pelo voto secreto, na eleição dos órgãos do partido.
Sobe-desce ao CC
antes do congresso
A lista do Comité Central apresentada no congresso de 1988 sofreu alterações na véspera. À excepção de Pina Moura, os “críticos” saíram. João Amaral futuro dissidente, cujo nome não constava, subiu a suplente, depois de informar que, se não servia para o CC, também não continuaria como deputado. Ruben de Carvalho interpretou a posição de suplente como desagrado da direcção face ao seu envolvimento na organização da Festa do Avante!”. Acabou efectivo.
2007-05-15
Mas que diz o livro, afinal ?
O Gabinete de Crise
Gabinete de Crise foi a expressão que num momento de inspiração um dos membros da segurança da sede do comité central se lembrou de aplicar ao grupinho que diariamente se juntava na sala de convívio, da Soeiro Pereira Gomes, depois de almoço, com cara de caso e conversa solta a discutir o futuro do PCP. Estávamos em 1987. Hoje ninguém se lembra disso a não ser um ou outro dos raros elementos da segurança que ainda se não foi embora, perdida a fé, a esperança e as razões que justificavam o espírito de tanto sacrifício.
O camarada de serviço à porta de vidro que isola o interior da sede do comité central da recepção e sala de convívio veio render o que terminara o seu quarto de sentinela.
– Dá cá as chaves. Passa lá por cima, o Tó Almeida quer falar contigo.
– Queres ficar com o Tio Patinhas ou levo a revista para o quarto andar? Olha, está reunido outra vez o gabinete de crise... Aproveita e vê as caras preocupadas que eles fazem!
Vítor Neto, Fernando Castro, Pina Moura, António Graça, Luís Sá, Vítor Dias o autor destas linhas, e mais um ou outro.
Quem conhece a sede do comité central lembra-se daqueles sofás vermelhos em U, encostados à parede e com divisórias de madeira almofadada para recosto. As chávenas na mesa de vidro fumado ao centro completavam o cenário. Dali aos cafés parisienses do Quartier Latin da nossa juventude era só um pulinho de imaginação.
Saboreávamos o café dado ao balcão pelo Ruben de Carvalho que hoje estava de serviço ao bar. E avaliávamos a perestroika. Sopesávamos as novidades trazidas pelo Vítor Neto, do comunismo italiano, no índex desde que o eurocomunismo de Berlinguer tinha sido excomungado no PCP. O Vítor está casado com a Simoneta uma intelectual italiana, isso e o seu passado de relações com o PCI em Itália, durante o exílio, oferece-lhe frequentes e úteis contactos com o partido de António Gramsci. Bebemos o café e as novidades...
– Vão uns bons pares de anos à nossa frente. Cunhal é que acha que não.
Discutíamos as avaliações da direcção relativamente ao período pré-eleitoral que já se vivia. Ainda faltavam uns meses para as eleições legislativas de 87 e a tendência no sexto andar era o costume, animar as hostes com a ficção da grande perda de apoio popular de Cavaco Silva e a sua derrota inevitável em 19 de Julho próximo. Parecia-nos o contrário mas a direcção não estava para fazer cedências à realidade. Nem todos, lá em cima, pensavam o mesmo certamente. Mas como vem tudo a uma só voz, em formato centralismo democrático não é fácil conhecer as nuances.
– Paredes de vidro!
– Vidro espelhado!
Os camaradas da segurança, à porta de vidro, em quartos de sentinela de duas horas vazias observavam-nos com a atenção de quem necessita de matar o tempo e olhando-nos de longe o rosto e os gestos não sabíamos que nos liam a alma.
– Gabinete de Crise! Aí está. Gabinete de Crise! O que é que achas?
O Centro de Trabalho da Soeiro Pereira Gomes como todas as sedes do PCP usam o pseudónimo de Centros de Trabalho. Não foi só por apego a regras da clandestinidade foi também uma consequência do processo ambíguo com que a revolução começou.
Os capitães que souberam organizar o levantamento militar de nNorte a sSul do país e levar de vencida o aparelho repressivo do Estado Novo acharam-se pequenos para a alta política e foram chamar o general Spínola para a governar. O general que conhecera Estalinegrado do lado dos nazis, andara de braço dado com a PIDE na guerra colonial, estava tão temeroso dos seus antigos patrões como da democracia e achava que o melhor mesmo era aproveitar a PIDE ainda que reciclada e inaugurar a democracia sim, mas sem partido comunista a estorvar. O PCP decidiu não pedir licença ao general para sair da clandestinidade, calçou as luvas, subiu ao ringue para o combate há décadas preparado e nos intervalos das manifestações e levantamentos populares abriu sedes por todo o país. Sedes sim, mas disfarçadas com a designação de centros de trabalho, fórmula facilmente sustentável perante o faiscante monóculo do general com a máxima de que “a nossa política era o trabalho”.
Portanto a sede do comité central na Soeiro Pereira Gomes tinha na certidão de nascimento registado, não sede mas centro de trabalho. E a rua, se assim se lhe podia chamar, tinha só...
2007-05-13
Conspiradores?
O EXPRESSO no suple
Vitor Dias sublinha que o texto do Expresso não tem comas e deixa implícito que não sabe se ele reproduz o que está no livro ou se é apenas uma interpretação sintética do seu conteúdo sem excessos de preocupação a sensibilidades só perceptíveis por exegetas.
O livro já começa a estar à venda e é fácil avaliar se Vítor Dias tem ou não razão. Tal reacção pela forma excessiva passa a ser um dado com muito interesse porque confirma indirectamente o "retrato" das vivências internas do aparelho do PCP de há 20 anos feitas no livro e que parece terem resistido ao tempo.
Devido à difícil leitura transcrevo algumas partes:
"... quero afirmar que esta referência é uma descarada invensão e uma monumental falsidade que absurdamente me procura atingir bem como ao meu camarada Ruben de Carvalho e à memória do infelizmente já falecido meu camarada Luís Sá. atinge directamente (e a dois outros meus muito estimados amigos e camaradas, um dos quais infelizmente já falecido).
"... jamais tive quaisquer relações de cumplicidade política ou de concertação de opiniões, acções e iniciativas com o grupo a que Raimundo Narciso se refere e que ele confessadamente integrava (o mesmo valendo para quaisquer outros grupos que porventura tenham existido ou movimentado fora das regras normais de funcionamento do PCP)."
O Sol entrevista o autor
Durante os anos da dita dura foi escolhido para criar e dirigir a Acção Revolucionária Armada (ARA), organização responsável por vários atentados contra símbolos do Estado Novo — nomeadamente, a destruição, em 197l, de 28 aviões e helicópteros estacionados na base aérea de Tancos.
Membro do Comité Central do PCP durante vários mos, foi expulso juntamente com Barros Moura e Mário Lino, em 1991, por discordâncias profundas com a orientação do partido. Para trás ficavam reuniões tidas por conspirativas em casa de Joaquim Pina Moura, a que se juntavam António Graça, Vítor Neto, José Luís Judas, Barros Moura e Fernando Castro.
Raimundo Narciso nasceu em Torres Vedras em 1938, é casado, tem dois filhos e dois netos. Depois da expulsão do PCP, foi fundador da Plataforma de Esquerda e eleito deputado nas listas do PS, em 1995.
Autor do livro ARA, publicado em 2000, lança na próxima semana uma segunda obra com o título Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via — uma viagem guiada ao interior do Comité Central entre Julho de 1987 e Dezembro de 1988, período que corresponde à preparação do 12.° Congresso do PCP e durante o qual ganha forma a maior cisão no PCP no pós 25 de Abril.
EX-DIRIGENTE DO PCP EXPULSO EM 1991 RELATA EM LIVRO O PROCESSO DE CISÃO
‘Nem mesmo Álvaro Cunhal tinha já uma visão idílica dos países comunistas’.
No seu livro, descreve uma reunião com Álvaro Cunhal a pedido deste para o tentar afastar do grupo dos críticos. Não sentiu nesse momento vontade de reconsiderar?
Todas as grandes decisões da minha vida política foram tomadas de forma muito pensada, nomeadamente aquando da minha passagem à clandestinidade. Álvaro Cunhal não me fez um pedido explícito para reconsiderar mas, na realidade, era esse o objectivo. Essa reunião veio na sequência de várias outras com Blanqui Teixeira e Octávio Pato, todas para, como se dizia no partido «ajudar o camarada». A reunião com Cunhal foi a última tentativa para me reencaminhar.
Álvaro Cunhal não teve uma conversa dessas com todos os críticos. Signifca que tinha um especial apreço por si?
Ele fez esse contacto com pelo menos três pessoas: comigo, com o António Graça e com o Vítor Neto. Éramos os três membros do Comité Central. Havia factores com algum peso no universo de referências do PCP Eu era membro do Comité Central há muitos anos, tinha vivido 10 anos na clandestinidade e havia um aspecto que, na circunstância, dava um certo pedigree: o facto de ter pertencido à ARA (Acção Revolucionária Armada) antes do 25 de Abril e ter sido o elemento que mais fez pelo lançamento dessa organização.
Sendo conhecedor dos métodos utilizados, há uma certa candura na sua surpresa quando descobre que está sob vigilância...
Sim, se pensarmos noutras vigilâncias que se tornaram públicas e que foram comentadas no próprio Comité Central, nomeadamente em relação a Zita Seabra. Digamos que a surpresa foi mais emocional do que racional
Implicitamente, Álvaro Cunhal assumiu que estavam a segui-lo em nome da defesa do partido?
Não confirmou, mas também não negou nada nem mostrou surpresa, como se se tratasse de um procedimento natural.
Porque levou tanto tempo até perder o encanto em relação ao PCP?
A ruptura só chegou no momento em que houve uma divergência séria. Toda a retórica sobre o centralismo-democrático é excelente quando temos todos a mesma opinião, mas não permite divergências.
A perda de influência do PCP na sociedade portuguesa no final dos anos 80, a par do fim da URSS e da Perestroika de Gorbatchov foram determinantes para a cisão em que participou, a maior desde o 25 de Abril.
Privilegio as razões de carácter interno. Todos nós estávamos próximos ou fazíamos parte dos órgãos de decisão do PCP e constatávamos uma evolução cada vez mais desadequada com a realidade, que não acompanhava as grandes mudanças da sociedade portuguesa.
A queda do comunismo fez ruir o ideal da sociedade socialista sem classes?
Nós já não tínhamos essa visão idílica dos países comunistas. Nem mesmo Álvaro Cunhal, só que ele não o dizia.
«Sem União Soviética e sem Álvaro Cunhal, o PCP de Jerónimo de Sousa é um comunismo de sociedade recreativa». Não está a ser injusto com o actual secretário-geral do PCP?
A frase foi retirada de um contexto onde assume uma importância muito relativa. Jerónimo de Sousa é um líder que tem grande empatia com os trabalhadores e é um popular ao contrário de Cunha!, que era um príncipe da Renascença. Jerónimo de Sousa é um homem da fábrica, da sociedade recreativa, do bailarico. Creio que o actual líder comunista trouxe de novo ao partido uma camada da classe trabalhadora que estava desiludida com a situação política e que viu agora à frente do partido um operário muito perto deles.
Jerónimo de Sousa é, de facto eleitoralmente mais atractivo.
Mas, com o fim da URSS, com o desaparecimento de Álvaro Cunha], que era um estratego e um teórico, deixou de haver no PCP um horizonte compatível com a actual realidade. Continuar a falar no comunismo como se falava antes, na sociedade socialista como se visionava, no marxismo-leninismo como cartilha que se usou durante tanto tempo, no centralismo democrático sem um upgrade muito grande é, de facto, um comunismo de sociedade recreativa.
2007-05-11
O Sol
2007-05-10
O livro na SIC Notícias
Qual a orgem de tanta curiosidade e interesse por tudo o que diga respeito à vida interna do PCP? Seguramente que foi a tradicional prática de grande resguardo quando não de segredo da sua vida interna determinada pela personalidade de Álvaro Cunhal e também pelas sequelas da clandestinidade. Apesar das Paredes de Vidro...
À saída do estúdio o eng. Ângelo Correia que aguardava o início do debate com Helena Roseta interrogou-me, no seu tão característico jeito irónico, se também eu tinha ido falar sobre a Câmara Municipal de Lisboa. Esclarecido, respondeu-me "vou já comprá-lo."
Vítor Dias reage ao Expresso
Resposta imediata a uma
mentira divulgada no Expresso
e do qual reproduzo este extracto:
"Inserido numa peça que inclui uma entrevista com Raimundo Narciso a respeito do seu novo livro (que será lançado em breve), intitulado «Cunhal e a dissidência da terceira via», o suplemento «Actual» do Expresso de hoje publica na página 20 um texto do jornalista José Pedro Castanheira onde, a certa altura se pode ler que, nesse livro, «Raimundo Narciso relata as «conspirações» do grupo dissidente (...) , encorajado pelas reformas de Gorbachov. Primeiro na sala de convívio da sede, depois num restaurante do bairro de Alvalade, até adoptarem como quartel-general a residência de Pina Moura no Restelo. O grupo é amplo, mas muitos deles acabaram por fazer marcha atrás, como Luís Sá, Vítor Dias, Ruben de Carvalho e outros.»
De qualquer forma, o que para já me importa, me incomoda e me repugna é que foi publicada em letra de imprensa uma monumental mentira e uma rotunda falsidade que me atinge directamente (e a dois outros meus muito estimados amigos e camaradas, um dos quais infelizmente já falecido)." ...
"Pode acontecer que, uma vez lido o livro, tenha mais algumas coisas a dizer..."
Como a reacção de Vítor Dias se reporta ao texto de José Pedro Castanheira não me cabe a mim responder-lhe. Fá-lo-ei, se algum esclarecimento se impuser, isso sim, se eventualmente se pronunciar sobre o livro.
2007-05-09
EXPRESSO actual - 2007-05-05 (1)
José Pedro Castanheira:
Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via» é o título do livro de Raimundo Narciso, um dos mais destacados dissidentes comunistas, expulso do PCP após 25 anos de militância. Editado pela Âmbar, vai para as livrarias na próxima semana.
Nas vésperas do congresso da ruptura, realizado em Dezembro de 1988, Raimundo Narciso pediu um encontro a sós com Álvaro Cunhal, na sede onde ambos trabalhavam. Conheciam-se há uns bons 20 anos. Tinham estado juntos, ainda durante a ditadura, em Paris e Moscovo. Durante o PREC, integraram um organismo criado especialmente para acompanhar as vicissitudes da Revolução. Desde o 25 de Abril, funcionário e dirigente do partido, Narciso contactava diariamente com o secretário-geral. Gorbatchov e a «perestroika», porém, tinham-nos colocado em campos opostos. Dias antes, Cunhal chamara-o para uma conversa particular, que se revelara uma derradeira tentativa para o reconduzir ao redil. Sem sucesso. Nos dias seguintes, um membro da segurança, a mando de Octávio Pato, seguiu num Mini vermelho todos os passos de Raimundo Narciso. Este fez questão de esclarecer a insuportável ignomínia com o próprio líder. Segue-se o capítulo sobre a última reunião com Cunhal:
A última reunião com Álvaro Cunhal
Afinal a conversa que tivera dias antes com Cunhal não seria a última. O caso do Mini obrigava a uma última conversa. Essa, sim, seria a última. Agora a táctica e a logística da reunião ficava à minha responsabilidade.
Esperei pela ocasião apropriada. Não quis, depois do incidente da vigilância, ir a correr ao sexto andar pedir explicações ou fazer uma cena. Seria despropositado. E até sinal de pouca maturidade. Prova de ignorância do que é um verdadeiro partido comunista. Que raio andara então a fazer tantos anos no PCP que não percebia ser natural o exercício atento da espionagem perante o inimigo, mormente se interno? Em período de tantas perplexidades, quando a União Soviética, último bastião do comunismo, dele parece desertar, num momento em que o PCP sentia à sua volta quase toda a comunicação social contra si, em tais circunstâncias cada um de nós é um potencial suspeito e cada um de nós deve sentir-se orgulhoso por não estar fora da vigilância revolucionária.
Foi assim que um dia no regresso ao trabalho de uma daquelas voltinhas em redor da Soeiro Pereira Gomes, a seguir ao almoço, a poucos passos da entrada, sem me denunciar me abeirei, por trás, de uma das minhas amigas de muitos anos, desde os tempos da Universidade e do movimento associativo dos anos 60, agora membro do comité central e a assustei. Segredei-lhe em tom conspirativo, vinha aqui atrás de ti a vigiar-te e tu não davas por nada!
Ainda esperei que desse à minha observação a importância de um piropo e respondesse que sendo tantos os seus admiradores não lhe sobejavam afectos para mim. Mas o ambiente andava tão crispado que não lhe ocorreu dizer nada de melhor que “nos tempos que correm é um dever revolucionário vigiarmo-nos uns aos outros.”.
Tal reacção escrita não diz nada. Eu, nas antípodas da sua posição sobre o assunto, poderia ter dito exactamente o mesmo. Mas como se sabe o tom é tudo. E nela o tom emprestava à frase toda a seriedade, dedicação e disciplina que deve ser timbre de um verdadeiro aparatchic.
Pedir uma reunião a Álvaro Cunhal? Podia ser uma forma. Mas excessiva. Fiz como ele fizera comigo, aguardaria que uma das nossas frequentes idas ao bar da Soeiro, nos fizesse encontrar por acaso.
“O Álvaro” vinha com o seu passo firme, não diria apressado mas rápido quanto baste para quem o tempo escasseia. Do balcão dirigi-me para ele e perguntei-lhe, camarada estás livre? Sim, o que é? Queria conversar contigo. Se estiveres de acordo podemos ir aqui a uma das salas de baixo. Fomos. Pareceu-me que Cunhal não adivinhava o que me motivava. Pensaria que teria meditado nas “preocupações do nosso partido”, que me transmitira na conversa anterior, e arrepiava caminho? O que pensava não sei e se há pessoa que sabe apresentar um semblante onde não se vislumbra nada do que lhe vai na alma é ele.
– Camarada ocorreu há dias um acontecimento grave e não queria que dele não tivesses conhecimento pleno.
Fiz uma breve pausa a dar-lhe a oportunidade para uma qualquer reacção. Não disse nada como esperava. Olhava-me fixamente sem a mais ligeira reacção. Por isso prossegui.
– Há dias fui seguido e espionado por um funcionário do partido num carro que só sai daqui às tuas ordens ou do Octávio Pato – Cunhal começou a carregar o sobrecenho naquele jeito tão seu natural nas situações que lhe desagradam. – Não sei se foi às tuas ordens ou sequer se tens conhecimento do caso. Não estou aqui para exigir que me respondas. Estou aqui para que uma coisa destas não passe sem que tu tenhas dela pleno conhecimento e procedas como te aprouver. Trata-se de um membro do comité central do PCP – continuei, dando a cada palavra a relevância que merece num partido como aquele, em que, em teoria, ser-se membro do comité central é uma honra e uma responsabilidade suprema – é seguido e espionado por um serviço do próprio partido. Acho que é um acontecimento que não podia, não devia, ter acontecido. Que consequências isto não teria se chegasse à comunicação social?
O rosto de Cunhal foi-se tornando cada vez mais carregado, as suas frondosas sobrancelhas quase se uniam e o ar crispado do facies antecipava a explosão que não tardou.
– Camarada – o “camarada” foi mais gritado que dito, como era natural em tal situação – camarada, num momento em que o nosso partido é alvo de uma campanha insidiosa, um ataque brutal dos seus inimigos, quando enfrentamos uma luta sem quartel, numa situação tão perigosa como a que estamos a viver, num momento em que as nossas organizações mais reservadas ou vitais para o nosso partido estão a ser postas em causa – mais de duzentos camaradas! -, Tu conheces e tu achas que o partido não deve fazer tudo o que for necessário para se defender?
Nunca assistira a uma cara tão expressiva do secretário-geral. Cunhal falava com cara fechada, os olhos semi-cerrados, voz cortante e uma expressão convicta, de revolucionário e chefe. Esforcei-me por manter um ar impassível, uma cara neutra como a dum chinês. Quando ele terminou, em justa cólera, fiz menção de me levantar – afinal fora eu que pedira a reunião – e terminei dizendo que queria ter a certeza de que uma situação tão intolerável na actividade do partido não passasse sem o seu conhecimento.
A reunião terminou ali. Quem nos visse sair não adivinharia pelas nossas caras que a conversa não tivesse sido mais do que uma reunião de trabalho. Cunhal comportou-se como o general- comandante que era. Não esclareceu nada sobre a autoria da espionagem, como era de esperar e deu-lhe, sem se comprometer, total cobertura.
Cá fora despedimo-nos com um anódino até logo camarada. Depois e até ao seu falecimento dezassete anos depois não surgiu oportunidade, nem necessidade de voltarmos a conversar. Nos meses seguintes até me demitir de funcionário em Março de 1989 cruzámo-nos muitas vezes e sempre nos cumprimentámos cordialmente sem a menor quebra de urbanidade. Como fazemos a um vizinho novo no prédio e que ainda não sabemos quem é.
EXPRESSO actual de 2007-05-05 (2)
Raimundo Narciso: Estas memórias pretendem ser um contributo para o conhecimento da natureza e da história do PCP e não um documento de intervenção na sua orientação política, o que, desde a minha saída do PCP, seria deslocado. Por isso pretendi que a sua publicação beneficiasse do distanciamento no tempo.
A decisão de publicar o livro foi tomada pouco tempo antes de Álvaro Cunhal falecer. Entretanto, com o seu falecimento, pareceu-me adequado esperar algum tempo.
JPC - Há um aspecto (pelo menos) da vida de Álvaro Cunhal que fica ainda por conhecer: as actividades de um "organismo por ele dirigido" durante o período revolucionário de 1974 e 1975. Quais eram as actividades desse organismo não existente nos estatutos do partido? Tem certamente notas sobre essa época...
RN - Refere-se ao que na comunicação social já foi designado por comité militar. De 25 de Abril de 1974 até 25 de Novembro de 1975 um dos principais terrenos de luta política era o das Forças Armadas, através do MFA (Movimento das Forças Armadas) cuja influência os partidos disputavam. O PCP que prestava particular importância à sua influência e organização nas forças armadas desde os anos 30 do século passado naturalmente que adaptou as estruturas que já tinha e criou outras para esse trabalho decisivo na revolução. O secretário-geral não podia deixar de dirigir o organismo que desenvolvia essa actividade e de que fiz parte. Era um organismo de coordenação com grande importância política no período revolucionário e até à consolidação do regime democrático. O organismo não tinha nome e sem nome nem sequer "existia".
JPC - Diz que o PCP, à data de 25 de Abril, teria apenas uns escassos dois mil militantes. Creio que é um elemento até agora desconhecido. Em que se baseia para avançar esse número, aparentemente tão reduzido?
RN - Trata-se de uma avaliação subjectiva. Na realidade disponho apenas de opiniões que trocava com outros dirigentes do partido. Seguramente que o secretariado do PCP teria dados mais seguros mas, no ambiente de grande repressão e fluidez da organização sob os golpes da PIDE /DGS que precederam o derrubamento do regime não podia haver uma contabilidade rigorosa. 2000 militantes mais ou menos ligados e organizados não era assim tão pouco na situação em que se vivia.
JPC - Outra novidade é o papel do PCP na criação do PRD. Diz que o PCP «foi ao ponto de destacar simpatizantes e militantes para ajudarem a organizar o PRD e mesmo a integrarem-no». Está a falar de quem? E isso foi decidido em que órgão do PCP?
RN: Decisões com este melindre não constam em actas. Decorrem da aprovação de orientações políticas gerais. A prática é algo que se organiza com designações benignas nas ordens de trabalho.
O que é conhecido e público é a grande campanha política das intervenções de Álvaro Cunhal, que precedeu a criação do "partido de Eanes", sobre o vazio à esquerda criado pela suposta "política de direita do PS" e cuja ocupação pelo PCP não estava manifestamente ao seu alcance.
Fazer o possível para "ajudar" a criar tal partido, que ademais tinha como objectivo diminuir o PS, o inimigo de estimação do PCP, era "levar a teoria à prática".
Para criar um partido em pouco tempo de modo a conseguir como conseguiu 18% do eleitorado, sem diminuição do mérito dos seus autores, é óbvio que nenhuma ajuda era demais.
JPC - Ajuda semelhante foi dada aos Verdes. E ao MDP? E à Intervenção Democrática? Todos partidos satélites do PCP...
RN: Não eram situações semelhantes. Ao PRD o PCP ofereceu durante meses uma avaliação da situação política que constituía um forte incentivo à sua criação. Terá seguramente incentivado directamente pessoas que seriam influentes na sua criação e depois, no seu levantamento procurou ajudar.
É muito diferente do que se passou com o MDP, os Verdes e a Intervenção Democrática. É minha convicção e ela corresponde à convicção pública geral de que estes partidos foram concebidos e criados do princípio ao fim pelo PCP com militantes ou simpatizantes seus da máxima confiança, capazes de guardar o segredo! ainda que depois a eles tenham aderido pessoas estranhas ao PCP e que eventualmente nem soubessem da sua génese. Como é sabido o de,Como é sabido o PCP não conseguiu sempre manter a fidelidade de todos os seus dirigentes. O MDP tem uma origem diferente e um fim diferente. O MDP era um movimento político do tempo da ditadura,
hegemonizado e controlado pelo PCP ainda que com participação de muitos anti-fascistas verdadeiramente independentes.
Depois do 25 de Abril e quando se transformou em partido a presença e influência do PCP continuou a ser grande mas posteriormente o MDP conseguiu libertar-se da tutela do PCP.
...
RN - A identificação de pessoas - de dirigentes - é feita na estrita medida do interesse político em caracterizar um partido tão importante na vida nacional do século XX, como foi o PCP. A identificação das pessoas é resguardada nos casos em que o conhecimento da situação me pareceu ter interesse mas a identidade dos protagonistas ser irrelevante.
JPC - Mas afinal quem era a sua amiga L, que fez «um último esforço» para o salvar? E R, o segurança que o seguiu pelas ruas de Lisboa, a mando de Octávio Pato e Cunhal? E M, que foi humilhado na eleição para o Comité Central?
RN - Pois esses são exactamente os casos em que o conhecimento da identidade, por não ter significativa valia política, foi preservado.
JPC - Octávio Pato é, talvez, o dirigente comunista que você mais "mal trata". Quer explicar porquê?
RN - No livro apenas tento apresentar um retrato crítico do que se passou. Se nele Octávio Pato fica mal na "fotografia" não é por qualquer parti pris contra ele mas, na minha falível opinião, pela qualidade da sua prestação.
RN - Carlos Carvalhas dava por vezes a impressão que ia para um lado mas afinal ia para o outro. Não admira que em 1998, já nas funções de secretário-geral há 6 anos, tenha iludido alguns dos seus colegas da comissão política e futuros "renovadores", quando aprovou o "novo impulso" uma orientação reformadora quase imperceptível mas que mesmo assim suscitou a rebelião vigorosa da linha ortodoxa, que teve o apoio activo de Álvaro Cunhal, apesar de já retirado. Carlos Carvalhas abandonou o "novo impulso" e quantos o tinham apoiado e acomodou-se à linha dura.
...
RN - Compreendo o interesse jornalístico de tal pergunta. Eu próprio também me sinto atraído pelo esclarecimento. Mas, lamentavelmente, reconheço que não o devo fazer.
EXPRESSO actual - 2007-05-05 (3)
Para a história ficam as conversas relatadas com os dois principais dirigentes do partido: Álvaro Cunhal e Octávio Pato. Este é descrito como uma espécie de inquisidor-mor — e que fez jus a esta condição, montando ao autor uma campanha de difamação e perseguição que culminou com uma operação de vigilância pidesca. simplesmente inacreditável. As três conversas com Álvaro Cunhal (ver pré-publicação) são um elemento indispensável para a compreensão da sua personalidade. O livro está recheado de afirmações atribuídas a pessoas não identificadas. Compreende-se até certo ponto — mas não deixa de ser uma debilidade. Pena também que não seja publicada a lista das três centenas de subscritores do documento da Terceira Via, que faz parte dos numerosos anexos.
Após o congresso, a ruptura era inevitável. A última gota acabou por ser a tentativa de golpe de Estado em Moscovo, em Agosto de 1991.
O índice do livro
INTRODUÇÃO .......................................................................9
Parte I – O CONTEXTO............................................................ 13
O PCP, nos anos oitenta, visto da sede do comité central........ 15
Cunhal no Olimpo..................................................................... 17
Como se chegou àquela situação?............................................ 21
O Gabinete de Crise ................................................................. 26
Desafinação no comité central .................................................35
O grupo dos seis ..................................................................47
PARTE II – A CRISE
O grupo secreto........................................................................ 61
O julgamento de Zita Seabra ....................................................64
A terceira via ............................................................................74
Os segredos do comité central atirados à rua.........................79
O partido-família .....................................................................86
Saneamento na Festa do Avante ............................................90
A tribuna aberta do Avante ....................................................91
Álvaro Cunhal convoca os “críticos” ......................................96
A vigilância aos “críticos” ......................................................101
A última reunião com Álvaro Cunhal.....................................110
O XII Congresso ....................................................................118
Proibidos de falar no congresso.............................................126
EPÍLOGO...............................................................................133
Anexos..................................................................................143
1º documento da terceira via................................................145
Intervenções na tribuna do XIIº Congresso do PCP
Intervenção de Raimundo Narciso.................................... 157
Intervenção de José Barros Moura.................................... 161
Intervenção de António Mendonça....................................167
Intervenção de Delgado Martins .......................................171
Órgãos sociais do INES.......................................................175
O PCP e o golpe de Moscovo...............................................179
Carta da Mesa da reunião do hotel Roma
ao comité central do PCP....................................................183
Contra as expulsões.............................................................187
Carta de demissão de António Graça...................................189
Álvaro Cunhal......................................................................191
Percursos políticos..............................................................195
ÍNDICE DE IMAGENS
Álvaro Cunhal
Resultados eleitorais
Reunião de militantes da terceira via
Vista geral do XIIª Congresso do PCP
Álvaro Cunhal e o regulamento do congresso
Raimundo Narciso e António Graça delegados ao XII congresso
Pina Moura, Judas e Barros Moura delegados ao XII congresso
Mesa da reunião do hotel Roma
Raimundo Narciso. Intervenção no congresso.
António Mendonça. Intervenção no congresso
Reunião do INES no Fórum Picoas
Funeral de Álvaro Cunhal.
2007-05-08
Estão todos convidados
O livro será apresentado por Mário Lino, Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e por Mário de Carvalho, um dos mais importantes ficcionistas portugueses da actualidade.
A contracapa do livro diz que...
Protagonistas privilegiados deste testemunho são Álvaro Cunhal e outros dirigentes da “velha guarda” do PCP, José Barros Moura, José Luís Judas, António Graça, Joaquim Pina Moura, Fernando Castro, Vítor Neto, além do próprio autor.
O testemunho de Raimundo Narciso conduz-nos ao gabinete de Álvaro Cunhal, ao seu trabalho diário, reuniões em torno de questões não isentas de dramatismo e ao conhecimento de facetas políticas menos expostas do líder comunista, sem invasão da sua privacidade, mas num relato vivo e emocionante sobre temas inéditos.
O livro leva o leitor a assistir ao “julgamento” de Zita Seabra e relata, num estilo cinematográfico, casos inéditos de vigilância, por vezes movimentados e rocambolescos, a certos membros do Comité Central. Raimundo Narciso foi expulso do PCP com Barros Moura e Mário Lino.